Mãe de santo processa motorista e acaba acusada de intolerância por juiz; entenda o caso
Escrito por Eduardo de Oxalá em 27/10/2025
O juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto julgou uma ação da mãe de santo que acusava um motorista de aplicativo de racismo religioso e entendeu que ação do motorista não era preconceituosa, e que, na verdade, a mulher foi quem cometeu a intolerância.

Juiz é denunciado por racismo religioso
Uma decisão judicial gerou uma denúncia de racismo religioso contra o juiz responsável pela sentença na Paraíba. O juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Neto, do 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa, negou uma indenização a uma mãe de santo que teve uma corrida cancelada por um motorista de aplicativo que se recusou a ir até um terreiro de candomblé.
O juiz entendeu que que a mãe de santo Lúcia de Fátima cometeu intolerãncia, e que o motorista não cometeu o racismo religioso, denunciado por ela.
Ao cancelar a corrida, o motorista respondeu por mensagem no aplicativo, no dia 23 de março de 2024, o seguinte: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”. A corrida foi cancelada em seguida. A mensagem motivou a ação judicial da mãe de santo, que pediu uma indenização de R$ 50 mil.
O juiz negou o pedido de indenização movido pela mãe de santo e afirmou, na sentença, que quem cometeu intolerância religiosa no caso teria sido a mulher por considerar ofensivas as frases enviadas pelo motorista.
A denúncia da mãe de santo contra o motorista

Motorista da Uber utilizou expressões religiosas para recusar corrida de mãe de santo, em João Pessoa — Foto: Reprodução/Redes sociais
Em março de 2024, Lúcia de Fátima denunciou nas redes sociais ter sido alvo de intolerância religiosa. Um boletim de ocorrência foi registrado posteriormente sobre o caso.
De acordo com a religiosa, uma integrante do terreiro solicitou um carro de aplicativo para levá-la a uma consulta médica de urgência. Ela explicou, por mensagem, que o endereço era o local religioso, para ajudar o motorista a se localizar.
O motorista Leonardo respondeu por mensagem: “Sangue de Cristo tem poder, quem vai é outro kkkkk tô fora”. A corrida foi, então, cancelada.
Na época do acontecido, a mãe de santo explicou ao g1 que quando viu a mensagem teve um aumento de pressão e, depois que outro motorista aceitou a corrida, chegou à consulta médica passando mal.
“A gente se sente muito menosprezada enquanto ser humano, entendeu? Eu gostaria que nenhum pai e mãe de santo passasse pelo que eu passei. A gente se sente muito mal numa situação dessa. A gente se sente ninguém na realidade”, disse.
Além do boletim na polícia, a mãe de santo também entrou com uma ação de indenização contra o motorista e a empresa Uber, responsável pelo aplicativo de viagens. A ação na Justiça foi movida apontava racismo religioso e pedia uma indenização de R$ 50 mil. Na época do caso, o motorista foi banido da plataforma.
Nos autos do processo judicial, a Uber afirmou que é parte ilegítima no processo, pois atua apenas como intermediária entre motoristas e passageiros, sem responsabilidade sobre condutas individuais dos motoristas, que seriam trabalhadores autônomos. Disse que não houve falha em seus serviços nem nexo entre a atuação da empresa e o suposto dano moral.
A empresa também alega que adotou todas as medidas cabíveis, como desativar o motorista, e que não tem controle sobre mensagens privadas trocadas entre motoristas e passageiros, e pediu a improcedência da ação.
O julgamento
Mais de um ano depois da judicialização do episódio, o caso foi julgado pelo juiz Adhemar Ferreira Neto, em setembro de 2025. No despacho do magistrado, ele analisou que era a mãe de santo quem cometeu a intolerância.
“A autora, a se ver da inicial, ao afirmar considerar ofensiva a ela a frase ‘Sangue de Cristo tem poder’, denota com tal afirmação que a intolerância religiosa vem dela própria. E não do motorista inicialmente selecionado pela ré para transportá-la”, diz trecho da sentença.
Segundo o juiz, a mensagem enviada pelo motorista é “livre manifestação de uma crença, e de respeito pela crença do outro. No caso, respeito pela crença da autora”.
“Se, intimamente, o crente ofende-se com o que considera ofensa à sua crença, a tolerância o impele a afastar-se do convívio com o ofensor”, diz outro trecho.
O magistrado disse em outro ponto que ele não podia “passar do mundo dos fatos ao mundo dos sentimentos apenas para concordar com os sentimentos da autora [a mãe de santo] e ver o que não tem como ser visto nem provado, que é o dolo do motorista selecionado de ofender”.
Ele acrescentou também em sua decisão que o ato de recusar a corrida esteve separado de qualquer intenção preconceituosa e que está pautada na liberdade de aceitar e recusar as corridas no aplicativo, como é previsto nas próprias diretrizes do serviço.
“Sendo assim, não está contratualmente obrigado a transportar quem não quer. Cabendo à ré, em caso de recusa do motorista inicialmente selecionado, encontrar motorista que queira aceitar a solicitação. Que foi o que aconteceu, na ocasião, em relação à autora”, ressaltou o juiz.
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