Risco de descontrole das contas públicas ameaça crescimento econômico
Written by Eduardo de Oxalá on 16/11/2023
Governo Lula explicita que restringir gastos não é a sua prioridade – uma escolha com consequências nefastas para o equilíbrio fiscal
O economista e ex-ministro Roberto Campos, avô do atual presidente do, é o autor de uma frase que, sob diversos aspectos, sintetiza uma triste sina brasileira: “O Brasil nunca perde a oportunidade de perder oportunidades”. A velha máxima mais uma vez provou a sua validade. Poucas vezes o país deparou com condições tão favoráveis para crescer. Na nova era ambiental, o Brasil destaca-se por ter, entre as maiores economias do mundo, a matriz energética mais sustentável, o que o colocaria em posição de vantagem para liderar as transformações que estão em curso. Somos também o maior exportador de alimentos do planeta, com um agronegócio vigoroso e inovador que responde por quase 25% do produto interno bruto. Na geopolítica, o cenário é igualmente favorável. Enquanto a China coloca o pé no freio e a Rússia está em guerra, o Brasil é, entre os grandes emergentes, o menos exposto às turbulências internacionais. Tudo isso poderia ser aproveitado para o país deslanchar de vez. Contudo, estamos — de novo — condenados à nossa vocação de perder oportunidades.
Desta vez, boa parte da culpa deve ser atribuída à cartilha econômica que os governos petistas costumam adotar: a que dá prioridade aos gastos. Na quarta-feira 8, o Banco Central revelou que as contas públicas fecharam o mês de setembro com déficit primário de 18 bilhões de reais, sendo que no mesmo mês de 2022 houve superávit de 10,9 bilhões de reais. No acumulado de doze meses, o setor público consolidado — formado por União, estados, municípios e empresas estatais — registrou déficit de 102 bilhões de reais, o equivalente a 0,97% do PIB. É certo, portanto, que as contas públicas fecharão 2023 no vermelho, após breve respiro alcançado no ano passado. A conclusão óbvia: os números estão ruins porque o governo desde o início vem gastando mais do que arrecada — e promete gastar mais ainda.
Antes mesmo de os números terem vindo a público, o presidente Lula sugeriu uma alteração na meta fiscal e mandou às favas a promessa de zerar o déficit público no ano que vem, jogando fora o esforço que seu ministro da Fazenda, , vinha fazendo. A declaração pegou o mercado financeiro de surpresa e provocou reação de pesos-pesados da política nacional. Presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira afirmou que “se não tem meta, tem consequência”. Com as más notícias se avolumando, percebe-se agora que a fala de Lula foi uma espécie de profecia. “É uma frustração completa, jogamos a toalha antes da hora”, disse a VEJA Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Cental. “O governo não está disposto a fazer o mínimo de esforço para poder conter gastos.”
Sem disciplina fiscal, as perspectivas são alarmantes. O economista Alexandre Schwartsman, colunista de VEJA, diz que houve um aumento de 3% do déficit primário (incluindo União, estados, municípios e empresas estatais) de janeiro a setembro de 2023 versus igual período de 2022. Ressalte-se mais uma vez que, no ano passado, o governo registrou um superávit de 1,2% do PIB, que provavelmente se tornará um déficit de 1,8% neste ano, agora com o país sob a regência de Lula.
É interessante observar que o bom resultado fiscal de 2022 foi alcançado mesmo em um contexto eleitoral, período em que os governantes se dispõem a abrir os cofres para atrair popularidade. Isso ocorreu porque o patamar de gasto primário da União, aquele antes de juros e amortizações, voltou ao nível razoável de 18% do PIB. Durante a campanha, Lula afirmou que isso seria insuficiente. Para as necessidades de seu governo, o patamar deveria voltar a 19,5%. A PEC da Transição atendeu a esse desejo e contratou 150 bilhões de reais em novos investimentos, que agora alimentam o desequilíbrio fiscal. “Deveríamos primeiro criar uma condição superavitária para só depois aumentar gastos”, diz o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Está no DNA do Partido dos Trabalhadores gerir as contas públicas pelo caminho do aumento de receitas, e não do corte de despesas. Os dogmas petistas também pressupõem ingerência do governo nas empresas estatais. Em outubro, o conselho de administração da Petrobras, com maioria de indicados pelo governo federal, propôs a revisão de seu estatuto para que sejam permitidas indicações políticas em postos-chave da companhia. Combinadas, iniciativas como essa afetam a credibilidade do país e minam a confiança dos investidores. “O governo está se afastando de políticas que antes contribuíam para fortalecer a saúde econômica do Brasil no futuro”, diz Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
Governos gastadores são amigos da inflação, que sempre está à espreita, aguardando uma oportunidade para voltar. Nesse aspecto, chama atenção o fato de Lula ter pressionado o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para que acelere o ritmo de corte da Selic, a taxa básica de juros da economia. Ora, uma política fiscal irresponsável é o que obrigaria o BC a aumentar a Selic — o governo federal, portanto, seria o maior responsável por esse movimento.
No rol das oportunidades perdidas, a reforma tributária deverá também ocupar lugar de destaque. Embora as novas regras aprovadas no plenário do Senado Federal sejam melhores do que as antigas, fato é que as mudanças estão longe do ideal. O texto admitiu tantas exceções, resultantes de pressões políticas e setoriais, que sua premissa original de reduzir a carga de impostos não será cumprida. O Brasil deverá ter uma das maiores taxas de IVA (imposto sobre valor agregado) do mundo, algo injusto para uma sociedade que recebe serviços precários dos entes públicos. “Há o risco de criarmos um monstrengo tributário”, diz Felipe Salto, economista-chefe da gestora Warren Investimentos. Roberto Campos tinha razão. A lista de oportunidades desperdiçadas pelo Brasil não para de crescer.
Após dias de polêmica, o governo decidiu manter a meta fiscal de déficit zero para 2024. A informação foi confirmada pelo relator da LDO, deputado Danilo Forte.
Fonte: Veja