Uma semana após a morte de Jorge Amado, em 6 de agosto de 2001, uma gameleira nasceu no quintal da casa do escritor, sem que ninguém a tivesse plantado.
Written by Eduardo de Oxalá on 14/01/2024
Uma semana após a morte de Jorge Amado, em 6 de agosto de 2001, uma coisa extraordinária aconteceu. Uma gameleira nasceu no quintal da casa do escritor, sem que ninguém a tivesse plantado. A árvore é sagrada no candomblé de rito nagô, pois é onde habita o orixá Irocô.
A relação entre Jorge Amado e o candomblé é tremenda. Ao longo de sua vida, ele recebeu uma série de títulos de pais e mães de santo. Entre eles, o escritor foi Obá de Xangô no terreiro da mãe Stella de Oxóssi.
Apesar disso, Jorge Amado era ateu, o que não o impediu de lutar pela liberdade religiosa no país.
Enquanto foi deputado eleito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB-SP), ele criou a lei que proíbe a perseguição religiosa no Brasil.
Jorge Amado foi deputado federal pelo Partido Comunista de 1946 a 1948. Apesar da breve passagem como parlamentar, ele deixou o legado da emenda 3.218 à Constituição Brasileira promulgada em 1946.
O texto tratava da proteção do livre exercício de crença religiosa, ou seja, qualquer religião poderia expressar-se sem ser reprimida pelo Estado ou por seus cidadãos.
Antes da promulgação da primeira Constituição republicana em 1891, o catolicismo era a religião oficial do Estado e a única permitida, o que significava que muitas questões do dia a dia das pessoas estavam ligadas à Igreja.
Por exemplo, no período pré-republicano, atividades como o registro de nascimento e o casamento estavam sob a responsabilidade exclusiva das paróquias católicas.
Dessa forma, o candomblé, assim como outras religiões associadas aos negros brasileiros, enfrentou intensa perseguição por parte dos governos, da polícia e da sociedade, sendo rotulado de forma preconceituosa como algo associado ao diabo. Assim, ao longo de mais de um século, terreiros foram invadidos, vandalizados e fechados, e seus líderes e seguidores foram perseguidos e até presos.
No entanto, quando Jorge Amado propôs criar uma lei que garantisse a liberdade religiosa no país, ele sofreu resistência dentro de seu próprio partido. Parte do PCB via a religiosidade como uma forma de manipulação da população.
Mas isso não o impediu de propor a emenda que foi posteriormente aprovada e que hoje consta na Constituição, no sexto inciso do Artigo 5: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
O texto da emenda proposta pelo escritor ficou assim: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, exceto aqueles que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica de acordo com a lei civil.”
O que dizem os livros de Jorge Amado
Jorge Amado escreveu 33 romances. Ao todo, são 20 milhões de livros vendidos em todo o planeta, uma obra traduzida para 49 idiomas.
Muitos de seus livros abordam a religiosidade, seja por meio de seus temas centrais ou através de um ou outro personagem.
Em “Jubiabá”, romance publicado em 1935, a relação com a religião fica clara já no título, que faz referência ao nome do pai de santo, personagem principal da história. Ao longo do enredo, em diversas passagens, o autor descreve com detalhes os rituais de candomblé.
Já em “Tenda dos Milagres”, publicado em 1969, as menções às religiões afro-brasileiras são diversas, desde o personagem central do romance Pedro Archanjo à mãe-de-santo, líder religiosa do candomblé, Majé Bassã.
O livro também aborda a perseguição aos terreiros pela polícia. O personagem que faz as perseguições é o delegado Pedrito Gordo, uma referência a Pedro Gordilho, que foi delegado e chefe de polícia da cidade de Salvador durante a década de 1920 e que se tornou famoso por sua truculência e pela perseguição ao candomblé.
Além de escritor, quem foi o político Jorge Amado?
Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Itabuna, no sul da Bahia. Filho de fazendeiro de cacau, com um ano de idade, contudo, ele se mudou para Ilhéus, onde passou a infância.
O escritor foi militante comunista e, durante o Estado Novo, ditadura instaurada por Getúlio Vargas, foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942. Antes disso, em meados da década de 1930, viu quase dois mil exemplares de seu livro “Capitães da Areia” serem queimados em praça pública, sob a alegação de propaganda comunista.
Em 1947, o PCB foi declarado ilegal, seus membros perseguidos e presos, e Jorge Amado teve que se exilar novamente. Dessa vez, ele foi com a família para a França, onde ficou até 1950.
De volta ao Brasil, Jorge Amado afastou-se, em 1955, da militância política para dedicar-se exclusivamente à literatura, sem deixar o Partido Comunista.