Famílias criticam veto do governo a pensão vitalícia para crianças com microcefalia e vítimas do zika vírus:
Escrito por Eduardo de Oxalá em 12/01/2025
‘São culpados e não dão o mínimo’
Publicada no Diário Oficial da União, decisão foi acompanhada da edição de uma Medida Provisória que propõe o pagamento único de R$ 60 mil por cada caso
“O culpado pela deficiência dos nossos filhos é o Estado Brasileiro e, por isso, é preciso que nos deem o mínimo”. O relato é de Germana Soares, vice-presidente Nacional do UniZika Brasil, que protesta contra o veto presidencial ao projeto de lei que previa uma pensão mensal e vitalícia para crianças com deficiência decorrente do vírus da zika. Publicado no Diário Oficial da União na madrugada desta quinta-feira, o veto foi acompanhado da edição de uma Medida Provisória (MP) que propõe o pagamento único de R$ 60 mil a cada família, considerada “medíocre” e vista como uma “cortina de fumaça” pelas mães.
A proposta vetada previa, além de uma indenização única de R$ 50 mil, o pagamento de uma pensão mensal vitalícia de R$ 7.786,02, correspondente ao teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), às crianças afetadas. O benefício também estaria isento de tributos e corrigido pela inflação.
Ao GLOBO, Germana, mãe de Guilherme, de 9 anos, criticou o valor de R$ 60 mil e afirmou que o governo é incapaz de oferecer o mínimo, já que o Estado foi o “culpado pela deficiência das crianças”.
— O valor de R$ 60 mil não paga nem uma cirurgia ortopédica das inúmeras deformidades que nossos filhos têm. Isso não é suficiente. A deficiência dos nossos filhos foi provocada, e não por genética ou falha médica. Foi um racismo ambiental, pois ficamos vulneráveis ao mosquito que não foi controlado pelo governo. Tudo isso é culpa do Estado Brasileiro. É preciso que nos deem o mínimo — disse a vice-presidente Nacional do UniZika Brasil.
Luciana Arraes, presidente do UniZika Brasil e mãe de Ana Lis, destacou a frustração com o veto do governo. Segundo ela, a MP editada para substituir o projeto de lei não atende às necessidades reais das famílias.
— O Presidente Lula cometeu um erro irreparável ao vetar integralmente o projeto. Nós, mães, estamos extremamente tristes, frustradas e decepcionadas com o governo. Eles tomaram a decisão de elaborar essa medida provisória por conta própria, sem ouvir as reais necessidades das mães e das famílias. A luta, no entanto, não vai parar. São quase 10 anos de negligência, descaso e esquecimento dessas famílias. Se Deus permitir, vamos conseguir derrubar esse veto no Congresso Nacional — afirma.
MP estabelece pagamento único de R$ 60 mil
A MP 1.287/2025, publicada como alternativa ao projeto vetado, estabelece o pagamento de R$ 60 mil em parcela única para crianças de até 10 anos que nasceram com deficiência causada pelo zika vírus entre 2015 e 2024.
A concessão do benefício está condicionada à comprovação da origem da deficiência e à disponibilidade orçamentária. A medida, válida por até 120 dias, ainda depende de aprovação do Congresso Nacional para se tornar lei, de disponibilidade orçamentária e de regras a serem elaboradas em conjunto por Ministério da Saúde, Ministério da Previdência Social e INSS.
Projeto foi apresentado em 2015
O projeto foi originalmente apresentado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), em 2015, quando ela ainda era deputada federal. No final do ano passado, a redação foi aprovada pelo Congresso Nacional. Segundo Germana, o PL percorreu por duas vezes na Câmara Federal e todas as comissões do Senado.
— Desde 2015, quando ocorreu a epidemia da zika, que a gente vem lutando por políticas públicas e qualidade de vida para os nossos filhos. Eles foram acometidos pelo vírus, nascendo com microcefalia, por irresponsabilidade do Estado Brasileiro. Não houve prevenção e nem cuidados pós contaminação. Todas essas crianças tiveram seus destinos atravessados e nós, mães, afundamos nossos sonhos, paramos de trabalhar e nos tornamos solos. Essas crianças não têm transporte acessível, terapia, consulta adequada, exames em tempo correto, cirurgias — acrescentou Germana.
Em entrevista à Agência Senado, a senadora Mara Gabrilli, autora do PL 6064/23, classificou o veto como “estarrecedor”. Gabrilli também criticou a MP, que considera “uma afronta à dignidade dessas famílias”.
— Após dez anos de luta e espera, essas famílias são silenciadas com uma simples canetada. É triste que essas famílias nem sequer foram ouvidas pelo governo — afirmou.